Page 11 - Ensino Superior n.º 68/69
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          nas actividades associativas da Universidade,   o paradigma dominante. É o próprio investi-
          aliás não raro com prejuízo das aulas a que   mento simbólico na Universidade como von-
          deixámos de assistir?                tade  de  conhecimento  estar  a  ser  profunda-
            Esta  representação  da  Universidade  está   mente oprimido pela lógica eficiente da pro-
          ameaçada. Em vez de lugar de acontecimento,   dução e do seu registo obsessivo.  A um pon-
          a Universidade tem vindo a converter-se em   to tal que, paradoxalmente, se torna mais im-
          lugar de produção. Em vez de lugar onde se
          anseia por gritar “Eurekas!” como Arquime-
          des a correr nu de uns banhos
          públicos, a preocupação é por su-
          bir em métricas de produtividade
          burocraticamente registada em CV
          que migraram para folhas de cálculo.
          Em vez de lugar de encontro de acadé-
          micos e scholars, com a sua dose de aca-
          so, é cada vez mais um local de relações
          laborais funcionalizadas em que nada é
          deixado à fortuna. A Universidade vai
          deixando de ser acontecimento e lugar
          de acontecimento para passar a ser dispositi-  portante a produção do registo do que o regis-
          vo fabril, que se pode deslocalizar, até disper-  to da produção.
          sar na forma de rede, sem que ninguém saia   E quanto mais gestores privados a respeito
          de casa, para maior eficiência da produção.  de universidades privadas e gestores públicos
            Thomas  Kuhn  falava  da  ciência  normal   a respeito de universidades públicas situarem
          como aquele período em que a actividade   as universidades no grande campo da eficiên-
          científica decorre no quadro de um paradig-  cia produtiva, mais elas ficarão reféns desta
          ma bem estabelecido e, por isso, sem desafiar   condição de Ciência híper-normal.
          os  seus  pressupostos  mais  bem  assentes,  se   Não é por coincidência que a maior preo-
          dedica à resolução de quebra-cabeças (puzz-  cupação que a pós-pandemia traz à sociedade
          le solving), pontas soltas, pequenos ganhos no   em geral é um novo normal que já conhecía-
          rendilhado do conhecimento e das suas possi-  mos, mas reiterado até ao limite das capacida-
          bilidades de aplicação. Com a deriva produti-  des de cada um. O mesmo normal, nada novo,
          vista e contabilística da Universidade, talvez   apenas com a novidade da sua intensificação:
          faça sentido dizer-se que vivemos um tem-  um híper-normal. A contar com o medo, a an-
          po de Ciência hiper-normal.  Não é só não ha-  siedade e a impaciência que são consequên-
          ver nenhum paradigma emergente a desafiar   cia de uma temporalidade social acelerada e
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