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nas actividades associativas da Universidade, o paradigma dominante. É o próprio investi-
aliás não raro com prejuízo das aulas a que mento simbólico na Universidade como von-
deixámos de assistir? tade de conhecimento estar a ser profunda-
Esta representação da Universidade está mente oprimido pela lógica eficiente da pro-
ameaçada. Em vez de lugar de acontecimento, dução e do seu registo obsessivo. A um pon-
a Universidade tem vindo a converter-se em to tal que, paradoxalmente, se torna mais im-
lugar de produção. Em vez de lugar onde se
anseia por gritar “Eurekas!” como Arquime-
des a correr nu de uns banhos
públicos, a preocupação é por su-
bir em métricas de produtividade
burocraticamente registada em CV
que migraram para folhas de cálculo.
Em vez de lugar de encontro de acadé-
micos e scholars, com a sua dose de aca-
so, é cada vez mais um local de relações
laborais funcionalizadas em que nada é
deixado à fortuna. A Universidade vai
deixando de ser acontecimento e lugar
de acontecimento para passar a ser dispositi- portante a produção do registo do que o regis-
vo fabril, que se pode deslocalizar, até disper- to da produção.
sar na forma de rede, sem que ninguém saia E quanto mais gestores privados a respeito
de casa, para maior eficiência da produção. de universidades privadas e gestores públicos
Thomas Kuhn falava da ciência normal a respeito de universidades públicas situarem
como aquele período em que a actividade as universidades no grande campo da eficiên-
científica decorre no quadro de um paradig- cia produtiva, mais elas ficarão reféns desta
ma bem estabelecido e, por isso, sem desafiar condição de Ciência híper-normal.
os seus pressupostos mais bem assentes, se Não é por coincidência que a maior preo-
dedica à resolução de quebra-cabeças (puzz- cupação que a pós-pandemia traz à sociedade
le solving), pontas soltas, pequenos ganhos no em geral é um novo normal que já conhecía-
rendilhado do conhecimento e das suas possi- mos, mas reiterado até ao limite das capacida-
bilidades de aplicação. Com a deriva produti- des de cada um. O mesmo normal, nada novo,
vista e contabilística da Universidade, talvez apenas com a novidade da sua intensificação:
faça sentido dizer-se que vivemos um tem- um híper-normal. A contar com o medo, a an-
po de Ciência hiper-normal. Não é só não ha- siedade e a impaciência que são consequên-
ver nenhum paradigma emergente a desafiar cia de uma temporalidade social acelerada e

