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Organização 12
do Ensino
É por demais conhecida a crítica ao mo- só que na condição de falsos professores con-
delo de actividade económica que se instalou vidados contratados a tempo parcial, darem
na nossa sociedade, baseado na promoção do o mesmo número de aulas no Ensino Supe-
trabalho sem protecção social nem garantias. rior público durante uma década inteira, pa-
Em vez do velho contrato de trabalho para a gos com um salário duas ou três vezes infe-
vida, cada vez mais o projecto mobilizador; rior. E sem direitos adquiridos, pois podendo
em vez da condição de trabalhador que tra- ser contratados por apenas 11 meses não che-
balha por um salário, cada vez mais o estatu- gam a completar um ano, condenados, com
to, apresentado como privilégio, de colabora- as férias pelo meio, cada ano a um novo con-
dor de projecto muito exclusivo; em vez das trato e não a uma renovação. Como um mito
condições de trabalho propícias à actividade de Sísifo profissional, ano após ano, colegas
em causa, cada vez mais o pressuposto da au- rolam uma pedra de serviço lectivo monta-
tomotivação e da responsabilidade de cada nha acima para, ao fim de um ano menos um
um pelas próprias condições da sua activida- mês, a verem rolar montanha abaixo em ju-
de. É sabido que há nisto uma agenda, vul- lho. Depois, em setembro, é pegar ou largar:
garmente designada neoliberal, que apela à tudo por uns 770 euros limpos, a 11 meses.
fragilização dos víncu- Parte do problema
los laborais a ponto da nas universidades é o
sua dissolução. A pre- “Com um regime jurídico conformismo nas lide-
cariedade é disso conse- ranças, com responsabi-
quência, mas também de funcionamento lidade colectiva de um
uma transferência para CRUP que faz do esforço
o trabalhador de toda a desenhado com esse de concertação de posi-
responsabilidade pela propósito – o RJIES – ções, fundamentalmen-
sua condição laboral e te, uma via para se des-
que, nesse sentido, vai as universidades e os responsabilizarem re-
deixando de ser reco- politécnicos tornaram-se ciprocamente as diver-
nhecido e tratado como sas universidades que,
trabalhador. A introjec- a ponta da lança de uma no quadro da sua auto-
ção da responsabilida- ideologia.” nomia, teriam de deci-
de pelo sucesso labo- dir por si. Naturalmen-
ENSINO SUPERIOR jan/fev/mar e abr/mai/jun 2020
ral de cada um é, obvia- te, há outras responsa-
mente, acompanhada bilidades, em particular
pela desresponsabilização do empregador. O a enorme desproporção entre as políticas de
insucesso passa a ser, no essencial, determi- formação científica e as de emprego científi-
nado pela falta de qualidades pessoais, não co, que deveriam verter para um tecido eco-
sendo, por isso, da responsabilidade de mais nómico desejavelmente cada vez mais assen-
ninguém a não ser de formas muito secundá- te no conhecimento. Mas fica a impressão de
rias e pouco passíveis de relevância. que, muito paradoxalmente, o que há a regis-
Este quadro é bem reconhecido quando tar é o sucesso enorme de uma política que
nos reportamos à inscrição da vida económi- não deveríamos querer nas universidades e
ca na sociedade, mas não é um fenómeno tão no Ensino Superior em geral. Com um regime
bem reconhecido nas universidades. Identifi- jurídico de funcionamento desenhado com
cam-se há muito formas gravíssimas de pre- esse propósito – o RJIES – as universidades e
cariedade nas universidades e nos institu- os politécnicos tornaram-se a ponta da lança
tos e escolas politécnicas: falta de oportuni- de uma ideologia. Há exemplo mais acabado
dades de acesso à carreira, escassez de con- do empreendedor em estado puro de dispo-
cursos, uma organização de mapas de dis- nibilidade por sua conta e risco do que o bol-
tribuição de serviço docente que mais lem- seiro de investigação em busca de uma opor-
bra uma sociedade de castas. Não raro, pode tunidade de financiamento para um projecto,
acontecer colegas com a mesma habilitação, sabendo, de antemão, que está a sujeitar-se a

