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Secção jurídica 42
dos regulamentos de que são destinatários, as
relativas à avaliação do desempenho, à liber-
O impacto do coronavírus dade de investigação, entre muitas outras.
É, por isso, forçosa uma dose razoável de
no Ensino Superior está inquietação jurídica, face ao entusiasmo ma-
aqui para quem quiser ver: nifesto de alguns, perante ferramentas que
um regresso ao passado, sempre estiveram ao alcance de todos.
Como em muitas outras situações do Direi-
com a mira no futuro. to, não é tanto a solução (cuja bondade pode
É, todavia, fundamental ser inquestionável) que nos preocupa, mas
antes o modo como esta poderá vir a ser im-
ajustar a mira. plementada e as consequências que produzi-
rá no edifício jurídico do Ensino Superior.
Não se trata de rejeitar as soluções, nem
de travar a fundo um veículo em marcha, tra-
Superior, predominantemente vocacionado ta-se pelo contrário de aproveitar a necessi-
para o ensino e actividades presenciais, por dade e o entusiasmo da mudança para ree-
forma a acolher com universalidade estas no- quacionar a realidade dos docentes do En-
vas realidades. Para dimensionar minimamen- sino Superior, reorientado o seu paradigma
te esse esforço basta reflectir na inevitável ne- para uma autonomia e responsabilidade ver-
cessidade de rever regulamentos de prestação dadeiras, abandonando a institucionalização
de serviço docente, de avaliação do desempe- em massa de soluções orientadas para o ex-
nho e de assiduidade. E bem assim, na exigên- cessivo controlo das funções docentes e para
cia de revisão de estruturas curriculares e de as métricas de resultado, recordando que a
adequação do material pedagógico, no redi- necessidade de alcançar o destino, que se es-
mensionamento dos espaços, para não falar na gota no momento, não pode servir de pretex-
obrigação de assegurar meios de apoio técnico. to para a descaracterizar o processo de ensi-
Não obstante perspectivarmos as tarefas no e investigação que constitui para os seus
hercúleas que se avizinham, a prestação de tra- executores uma vida, coarctando-lhes a auto-
balho e o exercício das funções docentes e de nomia e a liberdade inerentes.
investigação sem presença física do trabalha- O impacto do coronavírus no Ensino Supe-
ENSINO SUPERIOR jan/fev/mar e abr/mai/jun 2020
dor, com recurso a meios tecnológicos à distân- rior está aqui para quem quiser ver: um re-
cia, é uma inevitabilidade em aceleração. gresso ao passado, com a mira no futuro.
Por não faltarem vozes que enaltecem as É, todavia, fundamental ajus-
vantagens individuais e socioeconómicas de tar a mira.
uma nova ordem sustentada na vivência do
teletrabalho experimentada durante a crise
epidemiológica, e por ser inquestionável a uti-
lidade da busca de soluções que promovam a
felicidade, afigura-se útil recordar que a idea-
ção de soluções adoptadas em situação de cri- FUTURO
se, e a sua transposição para um contexto de
normalização, não devem ocorrer sem a ne-
cessária ponderação.
Esta percepção é particularmente expressi-
va no contexto do Ensino Superior, onde há vá-
rios anos, debatemos questões, há muito pen-
dentes de esclarecimento e consenso, como se-
jam as relativas ao controlo de assiduidade, às
exigências de uma participação activa e efecti-
va dos docentes e investigadores na elaboração

