Page 34 - Ensino Superior n.º 61
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                   Atuais












            em grande medida por quem não tem valor,   estudantes,  que  são  a  maioria…)  que  ficam
            nem capacidade,  nem estudos, nem expe-  desalentados com as injustiças. Mas é preci-
            riência, nem mérito. E muitas vezes nem éti-  so saber que existem, e muito. E que, pior ain-
            ca. Assim coloca a questão Ives Gandra da Sil-  da, a justiça sobre as injustiças em muitos ca-
            va Martins: “A universalização do ensino uni-  sos só virá  no  julgamento  do  Além…  Hume
            versitário é uma conquista, mas o mérito dei-  e Locke falavam de um apelo para o céu... É
            xou de ser o requisito primordial. A diferen-  para onde muitos apelam, embora já come-
            ça de qualidade é uma realidade e muitos dos   cem a apelar para a Europa, e, espera-se, um
            que  têm diploma  universitário continuam   dia também para um Tribunal Constitucional
            despreparados,  embora  pensem  que  isso os   Internacional... Contudo,  para  recorrer e  li-
            qualifica para exercer o poder.” 1    tigar é preciso muita fibra, muita paciência,
               Uma das maiores sortes na vida é admi-  muito tempo, e muito dinheiro. Tudo coisas
            rar quem manda em nós. A todos os níveis.   que os docentes, em geral, terão muito pou-
            Outra  grande  sorte é não ter quem  mande   co. Muitos tendem a conformar-se com as in-
            em nós. A maior sorte: não ter quem mande   justiças...
            em si nem mandar em ninguém (já os Gregos   Alguns acreditam que as avaliações foram
            o sabiam:  há uma  belíssima metáfora disso   inventadas há pouco, e por via de importa-
            na literatura helénica clássica). Tal, porém, é   ção. Dupla: importação de países “mais ricos
            dado a poucos. Flaubert morre de pânico pe-  e desenvolvidos” e normalmente com lógicas
            rante a  possibilidade  de  ter de  cumprir  or-  argentaristas,  economicistas,  produtivistas
            dens de um chefe. Os criadores normalmen-  e pouco preocupados com valores mais pro-
            te são assim.                         fundos, encarando normalmente a educação
                                                  como um negócio; e importação de áreas em
                                                  que há hoje (elas não são assim ontologica-
            Avaliações Institucionais             mente)  uma lógica totalmente  diferente,  se
                                                  não  mesmo  contrária  à  de  outras  áreas.  Ao
            e dos Docentes                        menos houvesse critérios  gerais diferencia-
                                                  dos entre ciências duras e moles... Ao menos.
            Estamos numa  sociedade que  apresenta a   Temos muitas dúvidas se se não colocam
            avaliação como álibi. Não há nos nossos dias   em causa, na dinâmica da pesquisa e na ace-
            nada que não seja (pretensamente)  avalia-  leração  e  direção  da  produtividade,  “direi-
            do. O problema é como e por quem, com que   tos, liberdades e garantias” e direitos  tout
            objetivos, com que  honestidade... Continua   court (desde logo à Palavra, à libertas docen-
            a ser muito válida e perturbadora a questão   di, e mesmo direitos autorais), em casos limi-
            “quem guarda os guardas?”.            te. Esta questão é delicada e levar-nos-ia mui-
               Poucos sabem que os docentes são a pro-  tos longe. Até que ponto se está atendo aos di-
       ENSINO SUPERIOR     abr/mai/jun 2018  que  para  alguns  não contam nada.  Desde   lização  da  avaliação,  como  fica  a  liberdade   1 SILVA MARTINS, Ives
            fissão  mais  massacrada  com  avaliações  de
                                                  reitos  dos  docentes-pesquisadores-autores?
            todo  o  tipo.  As formais e  as  informais.  Há
                                                  Até que ponto não estará a voltar a figura do
            avaliações más que contam muito, há-as boas
                                                  “cappo di scuola”? E com formas de centra-
            logo a obtenção de notas, de graus, de títulos,
                                                  de pesquisa, a liberdade de aprender e ensi-
                                                  nar, a liberdade universitária? Poderá mes-
            a feitura de artigos, livros, conferências, etc.
            Há, aqui e ali, regras que permitem descon-
                                                  mo haver discricionariedade nas avaliações?
            siderar quem muito vale, quem muito traba-
                                                  E curiosamente, ao lado, há a avaliação das
                                                  famas mediáticas, que são totalmente alheias
            lha, etc. Há, agora ou logo, regras que os per-
                                                  às lógicas internas... Contou-me um colega ju-
            mitem considerar. E há super-regras e super-
                                                  rista em Paris que Villey era muito menos cé-
            -poderes (e poderosos) que podem desconsi-
            derar no seu livre alvedrio de soberanos (os
                                                  lebre mediaticamente que o seu malogrado
                                                                                        Gandra da. Uma Breve
                                                                                        Teoria do Poder. 2.ª ed.
                                                  assistente Nicos Poulantzas.
            que decidem do estado de exceção) quer as
                                                                                        Revista e ampliada. São
            boas quer as más regras… Por vezes há pro-
                                                    Além  da  esquizofrenia  de  se  querer  ao
                                                                                        Paulo: Editora Revista dos
                                                  mesmo tempo um docente animador que
            fessores e estudantes (e professores que são
                                                                                        Tribunais, 2011, p. 101.
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