Page 18 - Ensino Superior n.º 68/69
P. 18

Organização                                                                       16
                   do Ensino












            simultânea que, não sendo recusados, porão   foi moldado pelo conhecimento disciplinar e
            a universidade portuguesa à beira da ingo-  já não se adequa ao conhecimento que tem
            vernabilidade. Com efeito, a agenda escondi-  origem em diferentes espaços sociais e não
            da do RJIES acentuou a concorrência da uni-  apenas  na  universidade.  Passámos de  um
            versidade portuguesa com as universidades   conhecimento disciplinar para um  conheci-
            estrangeiras, da universidade pública com o   mento transdisciplinar, de um modo de pro-
            ensino politécnico, de cada universidade pú-  dução assente em círculos restritos para ou-
            blica com as restantes universidades e, no li-  tro baseado em redes, de um modo de difu-
            mite, de cada Faculdade com as restantes Fa-  são homogéneo concentrado na sala de aula,
            culdades da mesma universidade. O resulta-  para um conhecimento que circula à distân-
            do esperado desta política é convencer as uni-  cia em plataformas sem lugar definido. Esta
            versidades  e  as  Faculdades  mais  frágeis  de   transição deveria ter expressão nos novos es-
            que  não  têm  condições  de  existir,  enquanto   tatutos das universidades, acentuando os me-
            instituições universitárias plenas, e que se de-  canismos de colaboração e reduzindo as ten-
            vem limitar ao ensino e à extensão universi-  dências isolacionistas das  diferentes áreas
            tária. A aceitação acrítica desta concorrência   científicas. A dupla crise, climática e pandé-
            desenfreada permitirá a concentração da pes-  mica, veio demonstrar o que já se sabia há
            quisa em poucas universidades e Faculdades,   muito: as respostas têm que ser transdiscipli-
            o que tem exposto a universidade portuguesa   nares e as disciplinas constituem um resquí-
            no  seu  conjunto  a  grandes  vulnerabilidades   cio do passado, que nem sequer objectivos
            no processo de globalização do ensino supe-  pedagógicos e didácticos cumprem  bem;  a
            rior. A grande falácia do financiamento com-  produção de conhecimento emergencial não
            petitivo da ciência em Portugal é que os ven-  pode ser feita por uma opção de fechamento,
            cedores temporários da competição nacional   mas antes de abertura; não pode ancorar-se
            serão os derrotados de amanhã na concorrên-  no regresso às fronteiras disciplinares mais
            cia internacional devido à fragilização do te-  seguras, mas avançar para a criação de no-
            cido científico nacional no seu conjunto.   vas fronteiras.

            2. A CONTRA-AGENDA
            A contra-agenda que  proponho assenta em   O resultado esperado desta política é
            três pressupostos diametralmente opostos
       ENSINO SUPERIOR     jan/fev/mar e abr/mai/jun 2020
            aos da agenda escondida do RJIES e, embora   convencer as universidades e as Faculdades
            não possa limitar todos os seus efeitos negati-  mais frágeis de que não têm condições de
            vos, pretende impedir os males maiores. São
            eles o pressuposto da colaboração assente na   existir enquanto instituições universitárias
            transdisciplinaridade, o pressuposto da liber-
            dade académica apoiado na produção de co-  plenas e que se devem limitar ao ensino e à
            nhecimento e o pressuposto da  decisão de-        extensão universitária.
            mocrática alargada, ancorado na responsabi-
            lidade exigente.
               Desenvolverei cada um destes pressupos-
            tos, tendo como pano de fundo os constrangi-  A transdisciplinaridade há-de caracteri-
            mentos impostos pelo RJIES e as suas zonas   zar-se  pela oferta de estudos graduados  e
            de incerteza que, apesar de tudo, existem e   pós-graduados que envolvam diferentes uni-
            podem constituir oportunidades para a con-  dades orgânicas, pela oferta de cursos major/
            tra-agenda.                           minor entre Faculdades, pela forte mobilida-
                                                  de de professores e alunos dentro da Univer-
            2.1. A organização dos saberes        sidade, pela ausência de concorrência inter-
            Pressuposto  da colaboração assente  na   na na oferta de cursos ou, ainda, pela trans-
            transdisciplinaridade. O modelo institucio-  versalidade dos percursos académicos possí-
            nal, que domina ainda hoje na universidade,   veis. Esta transição pode ser feita por muitas
   13   14   15   16   17   18   19   20   21   22   23