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Organização 16
do Ensino
simultânea que, não sendo recusados, porão foi moldado pelo conhecimento disciplinar e
a universidade portuguesa à beira da ingo- já não se adequa ao conhecimento que tem
vernabilidade. Com efeito, a agenda escondi- origem em diferentes espaços sociais e não
da do RJIES acentuou a concorrência da uni- apenas na universidade. Passámos de um
versidade portuguesa com as universidades conhecimento disciplinar para um conheci-
estrangeiras, da universidade pública com o mento transdisciplinar, de um modo de pro-
ensino politécnico, de cada universidade pú- dução assente em círculos restritos para ou-
blica com as restantes universidades e, no li- tro baseado em redes, de um modo de difu-
mite, de cada Faculdade com as restantes Fa- são homogéneo concentrado na sala de aula,
culdades da mesma universidade. O resulta- para um conhecimento que circula à distân-
do esperado desta política é convencer as uni- cia em plataformas sem lugar definido. Esta
versidades e as Faculdades mais frágeis de transição deveria ter expressão nos novos es-
que não têm condições de existir, enquanto tatutos das universidades, acentuando os me-
instituições universitárias plenas, e que se de- canismos de colaboração e reduzindo as ten-
vem limitar ao ensino e à extensão universi- dências isolacionistas das diferentes áreas
tária. A aceitação acrítica desta concorrência científicas. A dupla crise, climática e pandé-
desenfreada permitirá a concentração da pes- mica, veio demonstrar o que já se sabia há
quisa em poucas universidades e Faculdades, muito: as respostas têm que ser transdiscipli-
o que tem exposto a universidade portuguesa nares e as disciplinas constituem um resquí-
no seu conjunto a grandes vulnerabilidades cio do passado, que nem sequer objectivos
no processo de globalização do ensino supe- pedagógicos e didácticos cumprem bem; a
rior. A grande falácia do financiamento com- produção de conhecimento emergencial não
petitivo da ciência em Portugal é que os ven- pode ser feita por uma opção de fechamento,
cedores temporários da competição nacional mas antes de abertura; não pode ancorar-se
serão os derrotados de amanhã na concorrên- no regresso às fronteiras disciplinares mais
cia internacional devido à fragilização do te- seguras, mas avançar para a criação de no-
cido científico nacional no seu conjunto. vas fronteiras.
2. A CONTRA-AGENDA
A contra-agenda que proponho assenta em O resultado esperado desta política é
três pressupostos diametralmente opostos
ENSINO SUPERIOR jan/fev/mar e abr/mai/jun 2020
aos da agenda escondida do RJIES e, embora convencer as universidades e as Faculdades
não possa limitar todos os seus efeitos negati- mais frágeis de que não têm condições de
vos, pretende impedir os males maiores. São
eles o pressuposto da colaboração assente na existir enquanto instituições universitárias
transdisciplinaridade, o pressuposto da liber-
dade académica apoiado na produção de co- plenas e que se devem limitar ao ensino e à
nhecimento e o pressuposto da decisão de- extensão universitária.
mocrática alargada, ancorado na responsabi-
lidade exigente.
Desenvolverei cada um destes pressupos-
tos, tendo como pano de fundo os constrangi- A transdisciplinaridade há-de caracteri-
mentos impostos pelo RJIES e as suas zonas zar-se pela oferta de estudos graduados e
de incerteza que, apesar de tudo, existem e pós-graduados que envolvam diferentes uni-
podem constituir oportunidades para a con- dades orgânicas, pela oferta de cursos major/
tra-agenda. minor entre Faculdades, pela forte mobilida-
de de professores e alunos dentro da Univer-
2.1. A organização dos saberes sidade, pela ausência de concorrência inter-
Pressuposto da colaboração assente na na na oferta de cursos ou, ainda, pela trans-
transdisciplinaridade. O modelo institucio- versalidade dos percursos académicos possí-
nal, que domina ainda hoje na universidade, veis. Esta transição pode ser feita por muitas

